Argentina: Alta Nos Preços Da Paixão Nacional
Os argentinos convivem há mais de cinco anos com inflação de dois dígitos, mas só agora ela começou a doer na carne. Do tradicional bife de chorizo à paleta, o principal alimento da Argentina, já subiu cerca de 35% nas primeiras semanas de 2010, segundo levantamentos de consultorias privadas. Quando se trata do país mais carnívoro do mundo, com consumo anual de 73 kg por pessoa, o aumento tem a capacidade de gerar uma onda de insatisfação, levando o debate sobre a disparada de preços ao horário nobre da televisão e ao centro da política nacional.
O governo avalia novas medidas, como acordos de preços com o setor privado e o fechamento das exportações, e a presidente Cristina Kirchner culpou os pecuaristas pelos recentes aumentos. Segundo ela, os fazendeiros estão retendo o gado no campo para engordá-lo e ganhando dinheiro como nunca ganharam em muito tempo.
As declarações reacenderam a ira das entidades rurais, que já demonstravam um grau crescente de descontentamento por causa de problemas na comercialização do trigo. Senhora presidente, em vez de ser cronista ou repórter, veja como resolver o problema da carne, retrucou o dirigente da Federação Agrária Argentina, Eduardo Buzzi, anunciando um tratoraço na terça-feira, no interior do país.
A questão ganhou contornos inusitados. A rede de supermercados Coto, de um empresário argentino bem relacionado com o casal Kirchner e cuja mais nova unidade foi inaugurada pessoalmente pela presidente, alardeia uma megapromoção no sábado e domingo: a venda de 300 toneladas de cortes de exportação a preços insuperáveis - o preço foi uniformizado em 6,99 pesos o quilo. O mais curioso é que o anúncio foi feito por meio de uma entrevista do gerente comercial da rede à agência de notícias oficial Télam, uma espécie de porta-voz da Casa Rosada.
Diante da polêmica, a rede social Facebook entrou em cena, com a convocação de uma greve de carne a partir de segunda-feira. Somos um grupo de consumidores que acreditamos que o aumento entre 40% e 60% é excessivo e injustificado, apresenta-se a comunidade criada no Facebook. Com 5.129 membros ontem à noite e sob o slogan basta de preços loucos, a comunidade pede que os argentinos deixem de comprar carne por sete dias, uma verdadeira heresia para a cultura gastronômica da maioria da população.
No ano passado, a produção argentina de carne aumentou 11% e as exportações praticamente igualaram o recorde alcançado em 2005. Os números positivos contrastam com a previsão catastrófica, feita há menos de dois anos, de que a Argentina passaria a importar carne. Mas as estatísticas podem enganar, segundo a Câmara da Indústria e do Comércio de Carnes da Argentina. O abate cresceu em 1,2 milhões de cabeças na comparação com o ano anterior, mas 650 mil eram fêmeas.
Tecnicamente, quando as vacas representam mais de 40% do abate total, considera-se que há um processo de liquidação de ventres e desinvestimento. Com isso, especialistas estimam que a Argentina tenha 52 milhões de cabeças de gado hoje, oito milhões a menos do que em 2007.
A pressão sobre os preços se intensificou a tal ponto que o sindicalista Hugo Moyano, presidente da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), afirmou que ninguém pode negar a inflação. Pode parecer trivial para um dirigente sindical, mas Moyano é aliado-chave do casal Kirchner e deu um aval implícito para pedidos de reajustes salariais de 20% a 25%, quando o índice oficial de preços subiu apenas 7,7% no ano passado. Além disso, alguns sindicatos de categorias importantes já manifestaram a intenção de transformar as negociações em trimestrais.
O temor dos empresários é que os reajustes criem uma espiral inflacionária e aproximem cada vez mais a Argentina da Venezuela, hoje campeã absoluta da inflação na América Latina.
Em janeiro, consultorias privadas que fazem medições independentes registraram variação de 2,1% a 2,3% nos preços. A taxa do desacreditado Instituto Nacional de Estatísticas e Censo (Indec), cuja diretoria foi trocada em 2007 e que adotou uma nova metodologia para apurar a inflação, será divulgada hoje.
Para a consultoria Bein & Associados, só o aumento dos alimentos - em especial da carne - levará a inflação de fevereiro a um piso de 1,5%. Mas acreditamos que o aumento dos preços será superior, em torno de 2%, afirmou Marina Dal Pogetto, economista-chefe da consultoria. De estimativas iniciais próximas de 15%, as projeções dos analistas para a inflação de 2010 já subiram para mais de 20%.
Fonte: Daniel Rittner/ Valor Econômico
Consumo Meno.
O vice-presidente da Câmara da Indústria e Comércio de Carnes da Argentina, Miguel Schiaretti, disse que o consumo de carne bovina no país terá uma queda de 25% neste ano. Williams explicou que o governo está negociando um novo acordo de preços com os frigoríficos para baixar o preço da carne. O anúncio seria feito nesta sexta-feira pelo secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, que restringiu as exportações de carne desde 20 de dezembro.
Durante a reunião semanal da sexta-feira passada, que o secretário manteve com os representantes da indústria, Moreno avisou que as exportações continuarão restritas por mais três meses, até que a oferta doméstica seja normalizada. O novo acordo incluiria uma nova divisão de categorias dos cortes de carne, segundo a qualidade de cada um, e valores fixos. Segundo a imprensa local, os cortes serão divididos em segmentos de consumo massivo, selecionado e premium.
Conforme explicou ao jornal La Nación a representante da Câmara Empresarial de Desenvolvimento Argentino e Países do Sudeste Asiático, Yolanda Durán, a carne de consumo massivo está destinada a satisfazer as necessidades dos consumidores de menor poder aquisitivo, enquanto a selecionada está orientada à classe média, e a premium é para a classe A.
Schiaretti acredita que o acordo não vai funcionar porque não há carne para manter o nível de consumo interno. Em 2009, a indústria argentina abateu 17 milhões de cabeças e as estimativas são de que este ano o abate será de 13 milhões a 14 milhões.
Com esses números, Schiaretti diz que o consumo per capita vai cair dos 73 quilos para 60 neste ano, um volume ainda alto se for comparado com o consumo de 45 quilos nos EUA e de 38 quilos no Brasil. Tanto os industriais quanto os produtores afirmam que o plano de Moreno chega tarde porque a produção leva três anos para se recuperar.
O recuo da produção de carne bovina ocorrerá nos principais países produtores, conforme projeções feitas pela Scot Consultoria, com base em dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
Fonte: La Nacion